
Jorge Pé-Curto
Conheci o António Júlio em 82 na primeira exposição da Imargem. A sua ligação a Almada através da Elsa era recente, por isso não tinha sido referenciado nesta mostra de carácter antológico, deste modo, foi como visitante que travámos o primeiro contacto, Desde logo percebi que estava perante um homem da escultura o que foi para mim um motivo de satisfação, era afinal a associação a funcionar nos seus objectivos enquanto ponto de encontro entre artistas.
Com a entrada do A.J. para associação desenvolvemos um relacionamento de amizade em que o gosto comum e profundo pela matéria e pela sua transformação seria um dos pontos mais fortes. Gosto esse que muitos arautos de uma pseudovanguarda conceptualista haveriam de transformar em terrível pecado. Mas não vamos por aí que é outra história.
Em 84 a minha proposta foi eleita no concurso municipal para edificar o Monumento ao Pescador na Costa de Caparica, era o meu primeiro trabalho de arte pública e como não tinha atelier para albergar um trabalho desta envergadura pedi à Câmara Municipal a cedência temporária de um espaço, ao que esta correspondeu com a disponibilização da cozinha do Solar dos Zagalos. Tinha então condições para meter a mão na massa ou seja, no barro. Outros teriam recorrido a um formador para fazer a ampliação da maqueta, mas eu não me conformava, no que era incentivado pelo A. J., como escultores da matéria tínhamos a convicção que o processo criativo não se esgotava na maqueta e iria continuar perante outro material e noutra escala.
Finalmente o trabalho estava ampliado no barro, havia que proceder à sua moldagem e posterior passagem ao gesso para que então seguisse para a fundição, para esse efeito já havia contactado com um formador. O A.J. numa atitude de sã camaradagem tinha acompanhado o trabalho como espectador, pois era eu que teria de resolver a coisa. Talvez desejoso de meter também a mão faz então uma proposta que me surpreende completamente, sermos nós a fazer a passagem ao gesso. Refeito da surpresa e confiante na sua determinação, rapidamente correspondi ao desafio. Era uma aventura!
Apesar de ambos termos conhecimento das técnicas de moldagem esta escala colocava problemas que nunca tínhamos enfrentado. Foi um trabalho árduo, feito nos intervalos dos nossos horários de professor, por vezes a altas horas com as crianças pelo meio dormindo sobre o sisal que iria reforçar o gesso. A tarefa haveria de chegar a bom termo e na memória haveria de deixar gravada uma muito agradável experiência de camaradagem assente na partilha do prazer em dominar a matéria e nos magníficos almoços à sombra do plátano.
Penso que o A. J. tinha um imenso gosto de viver, talvez fosse essa a razão por que chegava sempre atrasado; usufruía cada momento até ao limite antes de partir para outra.