
João Duarte
O escrever sobre o escultor António Júlio é para mim o renovar da memória e um despertar determinado no mundo das formas.
Não é fácil apresentar por palavras a vida e obra do escultor e grande amigo António Júlio.
As palavras estão fora do alcance e da extensão dos dados específicos da linguagem escultórica, pensada com os olhos e assumida com as mãos.
Importa salientar e sublinhar, hoje, no conjunto da obra de António Júlio, uma precisa exigência plástica em termos de modernidade, de originalidade, mas sobretudo pelo que implica de profundo saber oficinal e justa articulação das suas particulares vitórias técnicas. O seu percurso foi uma fulgurante travessia da consciência criadora do artista do século XXI.
Nascido em 1951 em Chaves, veio para Lisboa onde se licenciou em escultura pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, desenvolvendo ao longo dos seus sessenta e quatro anos actividades nas áreas da escultura desenho, medalhística e pintura.
Tem várias exposições individuais e centenas de exposições colectivas, tanto a nível nacional como internacional.
No seu trabalho, existem vários monumentos em espaços públicos, estando, representado em colecções particulares no país e no estrangeiro.
Homem sempre de ideais de Abril, frontal e fiel na defesa dos valores da cultura, no ramo do ensino e do associativismo.
A sua própria vida foi uma soma de vários combates.
A obra de António Júlio foi uma construção de um alfabeto, de signos prodigiosos, abstractos e concretos, cheias de todo o peso obscuro da matéria.
Formas explosivas, ritmos puros por vezes indispensáveis.
Existe no seu percurso uma aliança entre contemplação, entre acção criadora e pensamento.
Devemos descobrir nos seus trabalhos a profundidade duma contemplação activa, que parte duma meditação sempre aberta às vivências do ser.
António Júlio, filtrou as realidades, utilizando novas técnicas, materiais, formas e estilos, impondo à arte um dos mais genuínos produtos intelectuais do homem.
Por isso, com persistência e humildade, enfrentou as contrariedades que lhes foram adversas, procurando perceber e delinear novas relações plásticas.
Revelou um trabalho criativo, na procura formal, conhecimentos rigorosos e o aprofundamento dos materiais, exigentes nos resultados, que lhe abriu um largo campo de experiências. Era absolutamente urgente necessário falar da sua obra!
Foram a legitimidade de tal urgência e a demonstração da possibilidade de superação de tal lacuna as determinantes deste pequeno texto.
Também representará um protesto contra uma política nacional do silêncio que, ao ignorar praticamente os artistas vivos, corre o risco de asfixiar a vitalidade da arte de todos os tempos, cortando as pontes entre o olhar dos homens de hoje e o imaginário de outras idades, divorciando o quotidiano e a poesia.
O desenho tem um papel essencial na concepção e na execução da obra de António Júlio. O desenho permitiu-lhe tornar físicas as suas ideias em papel e assim revê-las e apreciá-las de um novo ponto de vista. Nos seus esboços em vários tipos de papel, observa-se uma grande vitalidade e energia que são transportados para a escultura. Eles sevem apenas para ajudar a assegurar a ideia. Este processo criativo através do desenho é para o escultor António Júlio, de essencial importância pelo que permite espontaneidade, fluidez das linhas e uma experimentação que não são possíveis de realizar directamente na pedra.
A pedra foi sempre a sua matéria de eleição tendo António Júlio, revelado um conhecimento das qualidades e características físicas e plásticas dos diversos tipos de pedras. Fez corresponder a natureza da matéria e as suas qualidades estéticas aos seus propósitos. A escolha do material é realizada não apenas pela solução formal e estética, mas também pelo seu contexto simbólico, e primordial como a parte arrancada do todo universo. O seu estilo pessoal é essencialmente marcado por grande rigor e coesão das formas e dos volumes, revelando grande sobriedade, num processo de simplificação, atingindo uma síntese plástica, perceptível e abstracta.
As suas formas e linhas, são uma pulsação e também um registo, por isso a escultura é a alegria e o desejo. Desejo de posse e desejo de ser, o mais tormentoso e, ao mesmo tempo, de todos o mais completo.
Há perfeição nos seus volumes onde através da redução desses volumes em linhas torna as suas esculturas perfeitas, totais e harmoniosas, absolutamente expressivas. Quando se reduz ao percurso da linha total, essa procura torna-se num absoluto de exigência. Tem de ser pura e, ao mesmo tempo, tudo conter em si, tudo mostrar, tudo estar suspenso em si.
Estas e outras razões aqui não evocadas, são razões suficientes para poder admirar a obra e congratular-me com o percurso que o artista cumpriu sem estridência, mas consciente e afirmativamente.
Fevereiro de 2018