
Alexandre Castanheira
A escultura de António Júlio é um combate. Uma soma de vários combates. Com a pedra, connosco, consigo.
Recusando-se a copiar o que vê, não procurando saber o que vemos, esculpe a vida. Com que rosto? André Malraux dizia que “ avida é feita de todo o possível que ela encerra” e que “nenhuma vida é plenamente reconhecível precisamente porque é vida”.
António Júlio que ama a vida e que na sua vida procura intervir como homem (actor) e artista (criador), dá-nos, então, da vida, a representação para si possível do possível que ela encerra. Mas depois de dar vida à pedra, ao mármore. Inerte, este é pelas suas mãos acariciado, batido, flagelado e de novo acariciado com a doçura do desejo. E a vida naquele bocado de mármore nasce. É um combate de amor que a obra acabada fixa.
Começa o combate connosco. A recusa inteligente da multiplicidade das nossas visões da vida por ela transmitida à pedra.
Este combate vai proporcionar-lhe o combate consigo mesmo. As nossas visões deixaram-lhe traços no subconsciente. Agora olha a obra, exige-lhe um rosto possível e lança-se sobre outra pedra na procura incessante de total satisfação do seu eu. Requer simplicidade mas…como é difícil tonar as coisas simples! De novo as mãos nuas ou armadas das ferramentas que partem, lascam, alisam, entram num combate em que se transformam a magia de nos querer dar a visão do conjunto e do pormenor.
A pedra sofre? Aquele desfazer do mármore, aquele pó que se acumula aos pés do artista, dói-lhe. Agarra aquele pó e lança-o sobre a madeira, pede-lhe que transmita um novo rosto da vida. E o pó cria, num retorno ao inerte cheio de vida.
Diante da obra esculpida ou do quadro do pó, vivemos um sonho. Do António Júlio e o nosso. No encontro dos dois sonhos, no seu cruzamento, eis a Vida. A vós de lhe descobrir o rosto possível.