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José Manuel Mendes Pereira

Irmão

Tenho uma diferença de 9 anos do Júlio. Posso afirmar que desde criança, havia muita cumplicidade entre nós, nas brincadeiras, na passagem dos testemunhos, dos valores. O Júlio era o Meu Mano, o Meu Melhor Amigo. Era aquele rapaz muito responsável que eu admirava, e em quem tinha um orgulho enorme.

Recordo com muito carinho uma altura em que o nosso pai, fez uma comissão de serviço em Angola e em casa ficámos os três irmãos com a minha mãe. Eu, a Maria Albertina, a Bia como lhe chamamos e o Júlio. A Gina já estava a trabalhar, em Lisboa. Neste período o Júlio assumiu o papel de “homem da casa”. Responsável, atento, protetor, amigo, reservado, muito sensível e meigo. O “carneirinho” como a D. Aninhas, lhe chamava. Este era o nome carinhoso, que chamava-mos à nossa mãe.

Quando frequentava o liceu, surgiu o gosto pelo teatro, pela viola, educação física e claro, a pintura e o desenho. Nesta altura, quando chegava o Verão, chegavam também as férias e as idas ao rio que ficava perto da nossa casa. Foi então nestas férias que o meu irmão me levou com ele e me ensinou a nadar. Foi muito bom.

Entretanto a Bia, vai também para Lisboa trabalhar. O meu pai regressa de Angola, e o Júlio é chamado para o serviço militar. Como sempre, o meu irmão, continua muito reservado; Reservado quer na sua vida pessoal, quer na nossa vida familiar.  

Das Caldas da Rainha, onde assentou praça, segue para Queluz, para A RAAF e daí para a Guiné-Bissau, para onde foi mobilizado. Antes de partir para a Guiné, passou umas pequenas férias em Chaves, e na despedida eu e ele tiramos uma fotografia.

Já em Lisboa, mesmo antes da partida também eu e a Bia despedimo-nos dele no aeroporto militar. Eu tinha onze anos, estava triste mas não chorei, apenas olhei para ele e disse só para mim: “ É apenas uma viagem. O mano torna a vir”. Os nossos pais não souberam, da partida do Júlio nesta altura. Só souberam mais tarde. Sempre fomos muito reservados. Nunca partilhamos dor ou sofrimento, na nossa família. Talvez um pouco de egoísmo. Mas não gostamos de ver sofrer.

Em Dezembro, no Natal, lá estávamos nós, em Chaves, os três: pai, mãe e Zé, em frente à televisão, ansiosos à espera das imagens da RTP, transmitidas da Guiné, para o vermos com o camuflado, o kiko e o seu bigode, e ouvir-lhe as palavras “ a toda a minha família desejo um natal muito feliz e um ano novo cheio de prosperidades”.

O mano voltou a Chaves no Verão seguinte, para umas “férias”. Estava diferente, e igual ao mesmo tempo. Fisicamente muito diferente. No trato, sempre o mesmo: meigo, atento, muito sensível e cheio de energia positiva. Apesar da diferença de idade, o Júlio foi sempre um irmão presente. Bastava uma troca de olhares, para sabermos dizer: “estou aqui”. Sim, foram os ensinamentos dos nossos pais, os valores que nos deixaram. A Família tem que estar unida. Os irmãos têm que estar unidos. Mesmo quando partem fisicamente, a sua memória permanece, as coisas boas permanecem. Tenho memórias muito bonitas do Júlio, mas apesar de tudo… É isso mesmo! O meu irmão faz-me falta…

Gostava muito de desenhar a lápis de carvão; pintar, fazer teatro. Teve uma fase, curta, de experiência de viola e também dar umas boas braçadas no  Tâmega, rio que banha a cidade de Chaves. Para além de uma leitura de uns livros de bolso: a colecção 6 Balas, livros de cowboys.

© Luis Espada 2021

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